sábado, 17 de fevereiro de 2024

A palavra negro

a palavra negro 
quando queima na boca do negro
ou é vergonha de quem
ignora a negritude
ou é negro 
traidor da causa

a palavra negro 
quando queima na boca do branco
ou é ignorância de quem
desconhece o negro
ou é branco
racista pronto pra dar
o bote

falar de raça não deve ser tabu

a palavra negro
não é zona de risco pra queimar na boca
é orgulho e confiança
pra quem assume o crespo solto
ou na trança
pra quem assume o preto
da pele sem receio
ou medo

                      Fev- 2024

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2024

Catedrais

quando vou pela são paulo antiga
tenho em mim catedrais de nosso senhor
não as que celebram em seus cultos dominicais
um deus branco apartado do homem comum que vêm nos trens
nas vias sujas de urina e excremento
nas esquinas perigosas
da cidade infelizmente abandonada
trago em mim as catedrais
que abrigam os desgraçados negros
nas suas escadarias
último refúgio
de quem não tem mais nada
em degraus 
aquilombados


                 Fev- 2024

Pauta

se uma pauta se faz apenas de pausa
não tem música ou músico
ou regência
ensurdecedor silêncio
sem espetáculo nem público
                           nem vida

a sedutora noite
sem os teus suspiros
              sem o sons do teu gozo
é pentagrama em branco
                 apenas possibilidade de amor
flor germinando na rocha
na solidão de inóspito deserto

                      Fev- 2024

O que é isso, companheiro?

não há mais as reuniões do partido
perdera-se na poeira o afinco
o engajamento ativo de nossas forças
a verve militante foi tomada de ferrugem
as reivindicações por justiça
injustamente esqueceu-se no fundo das gavetas
e nossa juventude escoou no turbilhão
fleumático do cotidiano
sem causa
sem objeto ou objetivo
num silêncio de necrópole esquecida
como não houvesse por que lutar
como não houvesse existido um sonho
nos apequenamos sem conquista
no sofá da sala
aos afagos inúteis de um jogo
de bola ou novela
com o intelecto amordaçado
em lastimoso silêncio
mofando

                    Fev- 2024

Folha

uma folha corria o jardim
sem galho sem viço amputada

               errava às ordens do vento
nos socavos fundos
de uma tarde perdida no tempo

               abandonada
                         ca
                              í
                                da

diante do meu nariz altivo
velho monarca egoísta

                    Fev- 2024

Sensação

uma sensação de pássaro sem ninho
no meio da tarde opaca
e seus meandros
como algo que faltasse profundamente...
sem resgate ou ou volta
um ente que de repente falta
um trocado de moeda sem valor
no fundo das algibeiras
um vazio de cidade fantasma
exterminada pela guerra
feito bosque sem arbusto ou árvore
ou jardim sem folha que erra
orquestra sem flauta
seria a falta dos teus braços alvos
ou qualque outra desgraça?

                    Fev- 2024

Dante negro

vi nos teus olhos uma luz intensa
réstia de sol estilhaçando o vidro do peito
feito cristal que se parte em pedaços
ao cumprir sua sina de pedra
porque sou homem frágil
que sucumbe à luz de um olhar apaixonado

e teria sucumbido a outros olhos
não fosse o momento em que chegaste
atingindo-me em cheio no âmago
indefeso à tanta graça

hoje tua luz habita o horizonte
de onde diviso de sobre o monte de neve fosca
como habitasse as gélidas cordilheiras chilenas
teus braços implorando um pouco do calor
de meu corpo exausto de tanta guerra

como eu não fosse espectro
apagada estrela sem vida perambulando o universo
feito mendigo sem rumo na metrópole
e não fosse sequer mera recordação do que floresce
não fosse messe que apenas se espera abundande
se sou apenas esfacelado dante negro
chorando o amor de beatriz

                  Fev- 2024

São Paulo

queria cantar-te num poema
extraordinariamente
simple são paulo
mas você é complexa
as tuas formas o teu temperamento
não cabem num poema
e desdobro-me em palavras
pra dizer-te
em alguns poucos versos
cidade-chave
point de tantas tribos
que nem sei dizer quantas
rica mãe de pobres filhos
mas uma palavra
define meu sentimento
cinza flor de todas as flores
e esta palavra é amor

    
               Fev- 2024

São Paulo

enterrar a cara nos meandros
da cidade dura
desaparecer entre os traseuntes
e os edifícios
na carnadura de tuas vias congestionadas
respirar os gases que saem
dos escapamentos
escapolir por tuas ladeiras
cidade de papel
onde desenhamos nossas vidas
garatujamos nossa história
traçando sonhos
esquecidos
a mais bela mensagem de amor
chova-me cidade de pedra
que eu floreço
no teu aço no teu concreto duro
cidade dos negócios
cinza como teu céu de outono
cidade industrial financeira
quero adquirir uma porção pequena
de teus subúrbios
dormir e acordar na tua carne
de pedra bruta
criaria filhos sob teus decretos
se os tivesse
quanto de você mora em mim
é inconcebível
e gosto de fechar teus bares
chorando no copo as mágoas de amor
não correspondido
embora seja portador do amor que transpiras
por teus poros de pedra
são paulo
nem sempre tens a saúde
necessária para abrigar os filhos
que nasceram da tua placenta
e que vivem no solo do teu ventre democrático
quando muitos deles
perecem nas desgraças
emanadas de teus seios mãe amada
amei aqui
esqueci aqui
trabalhei aqui
e vou descansar meus ossos na tua terra
cidade de contrastes
tão violentos às vezes que angustia
mas teu nome
tua vivência muitas vezes cheia de defeitos
tua estrutura rija feito aço
tuas matas teus mangues
tuas entranhas inesploradas
já têm registro reconhecido em cartório
caos urbano
rica arquitetura
grã-fina e miserável cidade
que não dorme

                            Fev- 2024

Aqueles tristes dias

quando te fizeste fera perdendo 
as estribeiras
quando me atiraste pedra e crucificaste
como um jesus negro
não entendi muito bem a tua tempestade

e como um comunista doei 
até o que não tinha
pela causa de um amor que nascia

mas tu choveste tanto
que me alagou me inundou de tua ira
que eu não entendia

depois de tanta incompreenção
incerteza e guerra
rendi-me e dei por perdida a causa

entreguei as armas
e chorei as mágoas até secar as águas
de todo o corpo abatido e cansado

tu não sabes
mas como chorei tantos dias
e tantas noites ao amor

que ainda ao brotar sem folha
sem fruto todo frágil e pequeno morria

                           Fev- 2024

                  

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2024

Uns braços

não quero complexidade
muito menos poemas herméticos
quero a liberdade
cravada em pedra simples
sequer quero diamantes lapidados
se me faço em rocha
de minerais
habitado

nem quero
ruminar passadas mágoas
se me deságuo rio
e sou feito de águas
confrontando
estios

sou mais longo abraço
inteiramente afeto
daquela a quem me entrego
a quem não nego o laço
do mais puro
sentimento

e fica dentro desses braços
meu quilombo
é lá que renasço
que me faço e me desfaço
regenero-me
de todos os tombos
desembaraço
encontro minhas raízes
e sou angola nigéria congo
sou banto
apesar das cicatrizes

                 Fev- 2024

Fragrância

esta lenta sedução que somos
esta interminável dança
expõe meu ponto fraco
tua úmida fragrância

e no lusco-fusco vermelho
de tarde chuvosa
nos teus rubros lábios
ensaio um beijo

e mesmo que tu incógnita
eu ainda mais desejo

               Fev- 2024

Ensaio

você me suscita o estro
sussurrando pétalas de promessas
e eu desdobro em versos
todo meu ser

para te ver em festa
correndo os olhos atentos
nos meus textos

e no fim da conversa
reescrevo com fel e mel o traço
do que somos distância
então nos vejo um
e renasço

nas brumas sutis da nossa dança
em silêncio me desfaço

                  Fev- 2024

Carnavalizando 4

as palavras estão inquietas
dentro da metáfora
figuram em estado de rebeldia
a liberdade de folha que do calho
desprende-se querem
quarta de cinzas
o momo tranca a cidade indgnado
cidade sem saneamento
e coisa e tal
mas o que é carnaval?
preto no branco
carnaval é negócio e do branco
não é mais do preto que inalgurou
desceu pro asfalto
mudou
passista agora é socialite
ou filha de doutor
preto se esfola pra pagar fantasia
e o lucro da festa não é 
da favela
o que mais nos resta
pobres coitados se não a folia
acordar quinta-feira
à ressaca
de todo dia

                  Fev- 2024

terça-feira, 13 de fevereiro de 2024

Carnavalizando 3

a comissão de frente
abria o desfile
introduzindo o enredo
que trazia à avenida
o mestre-sala dos mares
o almirante negro
joão cândido
era o samba mais lindo
que falava da nossa história
mas faltou a rainha
na tua bateria
que seria a tua glória
paraíso do tuiuti
aquela do meu coração
que à essa hora dormia

          Fev- 2024