a úlcera do ser estagnado
destila o cianureto meias verdades
a sociedade doente
as academias mutiladas
o cânone envesgado dos costumes
o ópio-ódio burguês
excrementos
de míopes cogitações
petrificados pitacos letra-morta:
88 aboliu os poderosos da culpa
eis a excrecência
(o poder de eximir
à régia canetada histórica)
à goela empobrecida
a baba espessa do cão sem raça
a gente engolindo miséria
vivendo de sonhos extintos
vinho tinto
de sangue vomitado à nossa boca
e mais injúrias e hospício
e o vício por alimento
o ensino ensina chacina
despótica gramática das ruas
complexa pedagogia dos excluídos
e o rebanho
de negras ovelhas -destino e pele-
amarga a sintaxe suburbana
engrenagens de aço
e vestígios de munição
a violência escandalosamente
armada de carência-criança
nas feiras encarceradas
das periferias
bandejas de desdém
dúzias de fatalidade
pencas de mágoa no olhar
o desenlatado extrato antissocial
brasileiro marinado em caos
no topo etc e tal, no meio isto e aquilo
na base, versada em revés
nem isso, e jazem os ratos classe E
esfomeados nas sarjetas
à margem
destes regalos
os indigentes à margem
agressões nos subterrâneos
cotidianos do lar
amor por argumento
a negra pele roxa de ternura
não há primavera pra criança órfã de amor
esmolando gorjeta
pra sua fome de afeto
as balas que nada têm de perdidas
e encontram a infância
perdida
grande contingente negro
implicado em "masmorras medievais"
nem uma réstia de liberdade
a sociedade pelo racismo
combalida definha
Zumbi expira no quilombo do peito
vencido pela impotência
o protesto burguês
bate panela vazia com a mesa farta
no conforto dos apartamentos
o protesto proletário
almoça poeira de obra
a miséria sem miséria das marmitas
faxina por negras mãos
de fadas sem conto
ventre colado às costas
o mármore das mansões de pedra
seus deveres cívicos
resguardados pela constituição
seus direitos
engavetados no parlamento
parlamento branco e burguês
como todos os poderes
e poderosos
da nossa república esgarçada
em egoísmo.
Fev. 2021