Poemas de temática social onde aborda, em linguagem simples, de maneira aberta e franca a fome, a miséria, as desigualdades e os privilégios da elite brasileira, e, voltados para a condição do negro e afro-descendente no Brasil fazem menção a fatos históricos desde o continente de origem (África) aos dias atuais, ao amor, à paixão e ao desejo.
quarta-feira, 26 de fevereiro de 2025
A casa das três senhoras
Todos haviam partido. Pelo menos todos que vieram antes. Vivas apenas as filhas e suas famílias, mas viviam distantes. Eram filhas de apenas uma delas e sobrinhas das outras. Falo de três velhinhas pretas feito carvão. Três irmãs na vida e nos costumes. A casa era simples e sempre a mesma, construída por seus pais no germinar da comunidade. Sabia-se pouquíssimo, quase nada, das três solares e diurnas velhinhas. Eram uma imensa incógnita para as gentes do povoado. Insuspeitas, ninguém previa nada demais no comportamento das três. Passaram toda a vida praticamente despercebidas de quase todos ali. Sabia-se que amaram, que sofreram, prosperaram; uma delas fora até professora na rede pública de ensino. Viveram, sempre reclusas em si mesmas e na casa. Tinham sempre os mesmos hábitos e, personalidades muito tímidas, andavam sempre retraídas. Viveram sempre muito tristes e cabisbaixas desde a morte da mãe, ainda em suas juventudes, jamais superam a grande perda. O pai que nunca se casou depois da partida da esposa tinha sido em vida o grande esteio das três. Gerações e gerações os Pereira da Silva, era este o sobrenome das velhinhas, nunca tiveram posses, haviam notícias até de escravizados na família no tempo do Império. Como já dito, elas eram indiferentes para quase todo o bairro, mas havia uma outra família que as notaram, sobretudo na figura de um dos membros que amou desesperadamente a professora, irmã do meio, contudo a história deu em nada pois ela odiava aquele homem atrapalhado que a cortejara num tão sem jeito que a história toda havia beirado o absurdo. Nossas heroínas viveram fechadas como fechadas morreriam. Gostavam e cultivavam pequenas plantas em vazinhos de louça, e também apreciavam cachorros, não obstante há tempos não tutelavam nenhum depois da morte do último, o Théo, apenas a mais velha costumava alimentar os cães de rua. Tudo havia passado e estava sepultado na vida das três, coberto por uma espessa camada de pátina de uma vida distante no tempo. De maneira que eram religiosamente autômatas criaturas que subsistiam dentro da casa das três senhoras como era conhecida aquela velha morada muda, soturna, mas cheia de histórias de um tempo que jamais voltará. Viviam de pequenas coisas e amenidades. Nesta rotina minimizada sem novidades e nos seus próprios mundos que abatera-se sobre as três lindas velhinhas, uma tristeza crescente abrigava-se nos bons coraçõeszinhos das nossas personagens. Já não tinham força para viver, para solucionar o mínimo esforço que demandava três vidas numa casa, estavam mais a abandonarem-se ao mundo que deixavam transparecer. Não se sabe como nem quando decidiram isso, mas uma tragédia abateu a manhã daquele outono de folhas caídas daquele ano, as três velhinhas haviam amanhecido, naquela amena manhã de sábado, mortas cada qual em seu quarto. Esta inesperado notícia chocou a todos da comunidade. Não tinham desprezo pela vida, mas laceravam-lhes o coração a solidão, o vazio, a dor de tanta perda e tanta renúncia que lhes impulseram o tempo e o destino. E decidiram o que vieram mastigando vagarosamente e em detalhes durante todos esses anos de sofrimento. Eliane, a irmã do meio, viúva e sem filhos encarregara-se de tudo, não sem antes combinar em detalhes com Márcia, a mais velha, solteira e também sem filhos e Elaine, a mais nova, viúva de alguns pares de anos do grande amor de sua vida e pai de suas duas filhas. Descera então à rua do comércio, a poucas quadras da casa e adquirira o arsênico clandestinamente, substância letal que provocava uma morte rápida e sem dor, voltou a casa e trocou um olhar mudo com as irmãs querendo dizer que estava tudo certo. Caído o crepúsculo da noite daquela fatídica sexta, reuniram-se as três em torno da mesa de jantar e sentaram-se em suas respectivas cadeiras de sempre, depois de fervida a água e preparado o chá iserindo o veneno em cada uma das xícaras. Sem muita cerimônia, apenas um silêncio cúmplice entre as três, sorveram o conteúde que pertencia a cada uma e foram para seus quartos. O resultado foi o fim duma história que na soma dos prós e contras valeu a pena, e que o proseguimento dava-se com as famílias das amadas sexagenárias filhas de Elaine, sobrinhas de Márcia e Eliane, que sofreram muito com a decisão das três velhinhas, mas entenderam perfeitamente os seus motivos, afinal a vida fustiga cada um a seu modo, e há golpes da vida que são incontornáveis.
Fev- 2025
Quando as condições estiverem mais favoráveis e, estarão, este conto estará melhor escrito. O autor.
terça-feira, 25 de fevereiro de 2025
Formação do mendigo Pedro
primeiro ele não delinquiu
agressão não foi capaz de proferir e a própria voz não exibia
precariamente estudou entre a gente e até amou
mas era preciso fumar, era preciso perder-se entre a multidão
e como sustentar o vício e o desejo de tudo que não podia
a própria família era uma incógnita indevassável
no turbilhão voraz da disputa pelo lucro muitos se perderam
ele não assimilou os códigos de sobrevivência na selva
de repente a fuligem as carradas os ruídos e todas as engrenagens
da cidade bruta ele era das ruas um espectro
sumido nas trevas do capitalismo
Fev- 2025
segunda-feira, 17 de fevereiro de 2025
Justiça social
sim caros senhor e senhora das elites
caros donos do capital de nosso país tão castigado
a violência urbana que estarrece a todos
quando não acontece nas periferias com os periféricos
tem remédio na sociedade brasileira
e a solução para essa chaga é simples
resume-se a duas palavrinhas capezes de redimir
uma nação dos seus erros
duas mágicas palavrinhas:
JUSTIÇA SOCIAL
Fev- 2025
Negrócios
quando eu não era letrado
e meu ofício era o eito e a revolta
quando eu tinha apenas a capoeira
falaram de mim nos livros
mas falaram dum jeito tão atravessado
tão atravessado que choca
que parece que eu não tinha alma
parece que meu intelecto
era versado na pinga e na pirraça
ou que eu pensava no falo
minha cabeça era oca
mas na base do suor e sangue
aprendi a fala
aprendi as letras
aprendi a escrita e cursei universidade
e agora falo de mim nos livros
conto livre de jugos as minhas andanças
os meus sonhos e desejos
a minha miséria e a minha luta
não sou mais o animal selvagem
que me fizeram ou tentaram fazer
não sou mais apenas um corpo da sinhá
não sou mais um corpo autômato
agora falo e penso e escrevo
e continuam falando de mim nos livros
mas agora posso refutar
escrever a minha própria história
e estou nas livrarias
mais um bocado de anos
e todos saberão que lá vai um homem
que fala e pensa e escreve
não mais na categoria de negro forro
mas na de gestão de negrócios
cidadão do mundo
Jan- 2024
sábado, 15 de fevereiro de 2025
Memórias
havia portão árvores e a rua
um danado cão divertindo-se em urinar
aos teus pés
assuntos delicados
nos quais eu não podia tocar
tua boca
teus olhos
teus braços
você mulher e intelecto
eu homem e todo coragem
(a repressão disfarçada
na noite
do meu saber
o opressor oculto no opaco da juventude
de quase toda a juventude
eu era livre e prisioneiro no mesmo homem)
e o desesperado desejo
de teus lábios
mais futuro que passado
lua vento tecendo outonos e céu estrelado
a percorrer ainda vasto chão
de perdas e ganhos
e o apaixonado coração
Jan- 2024
Intempérie duma dama
não sou fantoche
de um amor perfeito
mas tento
enquadrar-me ao teu jeito
bolei no pensamento uma boa
estrateja
agora se tu trovejas
transindo-me d'espanto
sereno uma brisa leve
e no silêncio da minha aragem
esperarei que abrande
tua imensa tempestade
Fev- 2024
quinta-feira, 13 de fevereiro de 2025
Um nome
à Eliane Pereira da Silva
ostensiva a boca chama um nome
talvez tenha sido sonho ou um torpor matutino com restos de sono
e este nome está em meu sangue como a chama está no fogo
irreversivelmente parte que não segrega
este nome está grafado em cadernos perdidos nesta estante em desordem
um nome que trago estação após estação por entre escritos
esquecidos em folhas ao vento entregues
são letras tatuadas na memória cuja boca jamais esquecerá a pronúncia
e ratos e baratas não levarão pelos vãos estreitos da noite para as trevas
nome que não cabe nos sonhos de qualquer poeta desgraçado
que está apenas no grito do galo tecendo manhã com outros galos como diz o poema
nome que perdeu-se no cartório ante tantos nomes em papéis escritos
e que na desordem dos dias vai ficando assim na poeira do tempo
nos arquivos do meu peito esfacelado
soterrado sob um coração de pedra pra eternidade da carne que apodrecerá sob a terra
e levará esta palavra no seu cerne mas que o verme não saberá dizer ao certo
a quem pertence aquela perfeita junção de sílabas
que te obstrui as entranhas
Mar- 2024
quarta-feira, 12 de fevereiro de 2025
Farsa
nos meandros de nós uma farsa
essa avenida que aproxima
e afasta
pois
em todo caso
melhor que um são dois
Fev- 2024
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