quinta-feira, 13 de março de 2025

Quando ouço um blues

quando ouço um blues
vozes ancestrais falam em mim
raízes de tempos remotos
só então reconheço minha própria voz
que emerge de um recôdito
onde o ferro grita
nas trevas de meu corpo marcado
quando reconheço cada cicatriz
que tento ocultar sob as vestes
e explicarei apenas
aos que compreenderão os motivos
então entendo
as correntes dissimuladas
os embustes que utilizam os mercadores de gente
a minha própra ignorância
então tomo ciência dos próximos passos
minha luta passa a ser questão
a honra cavada com as unhas
a prole distante do ferro
das crueis artimanhas dos donos de gente
dos quais ainda sou cativo
quando minha arma é a palavra
a síntaxe do poema suado
as metáforas escavadas da pedra
quando a voz são vozes nas lavouras do peito
então me liberto
crio minha própria abolição
deixo de ser escravo dos senhores da casa grande 
entro na posse do meu destino
quando ouço um blues

                   Dez- 2023