quarta-feira, 9 de abril de 2025

No jazz da noite

choroso sax no jazz da noite
os livros espreitam à espera que os abram
no instante de nenhum açoite 
além da aflição pressentida
a solidão desenha contornos que aprecio
é amiga a solidão consentida
o brio do estro e a palavra no cio

não obstante o destino 
com olhos de lince e garras à mostra 
observa com aguçado tino
o desafino do homem em poeta
consagrado asceta na lida do verso
a alma acessa o complexo
amplexo da vida no instante diverso

mas será o homem completo
se a sina de compor o verso é única sina
se o poeta é todo ele e ele discreto
se quem manda é apenas o poema
a compor toda a vida por lei e decreto
questões que são dilema
o poeta é homem o homem poema

       Fev. 2021

Miragem

corpo mulher miragem
retido das retinas à memória
dono de insondáveis terras
latifúndio do coração
posse única do poeta amador

talvez outras vidas
noutras lidas do amor

plenilúnio que entoa 
sagrado timbre d'estrelas
astro profano que reverbera
fenômeno ou vida
banha o poema de ardor

será a natureza
no tempo de esgalhar a flor

suspeita vasta ramagem
mas era miragem era miragem

          Fev. 2021

sexta-feira, 4 de abril de 2025

Doces bárbaros

cuida desses meninos poeta
que romperam o ventre materno com asas
quebradas 
e jamais voarão
que deixarão cedo o seio da família
pra jamais...
quase todos com a noite pousada na pele
cuida desses meninos...

cuida desses meninos poeta
que vão se abrigar sob as marquises
disputando um palmo de chão
sem cama cobertor
ou colchão
assoprando com o pensamento as estrelas
e com as palpebras apagando a lua
cuida desses meninos...

cuida deles poeta
debutando no furto no roubo e no pinote
que portarão estiletes armas de fogo e drogas
que serão vendados amordaçados e torturados
pela polícia que não dorme em serviço
e acabarão em celas sujas e frias nas instituicões
de correção de menores
cuida desses meninos...

cuida deles poeta
que a escravidão ainda não acabou
e o sistema se encarrega de todos os petrechos
de tortura e opressão
dos negreiros senzalas e pedras que se carregue nos ambros
cuida!...

cuida poeta
que a favela é muito pouco
e a rua o tanto que lhes cabe dessa vida desgraçada
que o alimento é o travo amargo na boca
de cola de sapateiro e crack
e as vestes os trapos sebosos que os esquentam do relento
cuida deles poeta...

faça o que decretos leis estatutos ou políticas
não lograram fazer...
cuida poeta...

trata deles no teu poema reclamando
o que jamais haverá
que a força dos teus versos revigora suas asas inúteis

                   Fev- 2024

quarta-feira, 2 de abril de 2025

Com urgência

meu silêncio
comunica-se com o seu
dentro
                        de nossa noite

mas virá o dia
esse meio-escuro dia que há
do nosso encontro
              abismos
e nos amaremos com urgência
nessa estranheza
                   infinito desejo

                    Jan- 2024