terça-feira, 13 de fevereiro de 2024

Carnavalizando 3

a comissão de frente
abria o desfile
introduzindo o enredo
que trazia à avenida
o mestre-sala dos mares
o almirante negro
joão cândido
era o samba mais lindo
que falava da nossa história
mas faltou a rainha
na tua bateria
que seria a tua glória
paraíso do tuiuti
aquela do meu coração
que à essa hora dormia

          Fev- 2024

Carnavalizando 2

apoteose na avenida
o mestre-sala da minha escola
negro de samba no pé
performava certa tristeza
que no pensamento
cobriu de adereço
certa porta-bandeira
mas não esperava o avesso:

esquecera seu endereço!...

          Fev- 2024

Carnavalizando

tenho o samba no peito
da minha escola você é destaque
faz desfile perfeito
a mais elegante sambista
na cadência bamba da bateria
só dá você na avenida
podia ser todo dia
desfile de carnaval
mas então eu desperto do sono
e está tudo igual
entre mim e minha passista
este abismo abissal

           Fev- 2024

Estrada

tanto ardor 
em querer-te bem
que no meu peito 
afogado
sou eu mesmo e ninguém

tanto empenho
em esperar-te na caminhada
que minha vida poeta
é mais vida 
sonhada

e enquanto
espero-te e me proponho
uma vida abnegada
vejo escoar-se 
os sonhos
por toda estrada

         Fev- 2024

segunda-feira, 12 de fevereiro de 2024

Terra do meu amor

terra seca que não germina
exausta terra rachada
terra nordestina 
do meu país
terra da caatinga e do sertão
houve escravidão na tua jurisdição
mas o teu condão
é de liberdade
terra que perdeu fertilidade
tantas vezes violada
que enriqueceu iaiá e nhonhô
velha terra castigada
de vovó e de vovô
e de toda uma linhagem de escravos
tantos crimes sob teus domínios
terra sagrada do meu amor
e de vovó e de vovô
deixo aqui este poema
terra que tantas vezes sangrou
onde coagulou o sangue ancestral
gigante terra menina
terra que não dá pasto nem cana
terra que não germina
minha terra nordestina

              Fev- 2024

domingo, 11 de fevereiro de 2024

Carnaval 2

o circo sem o pão
um cisco no olho do momo

              Fev- 2024

Carnaval

carnaval na avenida
plumas requinte luxo e apoteose
na goela da madrugada
blocos de foleões
gastando reservas de ânimo para o ano
que se inicia
fantasiados mascarados
embriagados de festa fugindo às obrigações
por três dias
todos incinerados de folia
renascendo das cinzas na quarta-feira
para realidade de todo dia
e recomeça fevereiro
seguinte
para mais um ano
tudo igual
fome miséria descaso
e carnaval

                Fev- 2024
o crack é feito bala perdida
encontra sempre os mais pobres

                Fev- 2024

sexta-feira, 9 de fevereiro de 2024

Preto no branco

pego-me estupefato 
numa reflexão:
que negro ver como escravo:
o que nutre o ódio
de negro ser
ou o que carregou pedra
na escravidão:
este foi esteio da nação
aquele cabe na palma 
de minha mão.

                 Fev- 2024

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2024

Desdobro

sem nenhum vestígio de voo
sigo que resvalo na lama
mas se é o horizonte que almejo
o desdobro em mais de mim mesmo
não me entrego à lastimosa trama
de ser só homem de ser só negro de ser só drama

                 Fev- 2024

Constatação

quantas vezes jovem desorientado
não fui ultrajado ao extremo
diante dum ato de explícito racismo
e não trazia nenhum argumento
na algibeira comigo
eram muitos os intrumentos 
de opressão contra minha cor negra
hoje já homem feito constato
de fato não há lei ou regra
que desfaça este silencioso pacto
da branquitude
e seguimos na mesma merda!

               Fev- 2024

A bordo negro

mãos contra o muro
horário de pico
em plena avenida paulista
como viesse escrito
no meio da testa:
"eu sou bandido!"

esmiuçam os bolsos
como argumento o instinto
horário de almoço
quantas vezes o branco
sofreu este acinte

nenhum flagrante delito
mas o mal está feito
constrageram mais um preto
e no peito um grito:
"é proibido sair do gueto?"

e tem gente que insiste
no brasil não há preconceito

                 Fev- 2024

quarta-feira, 7 de fevereiro de 2024

Autópsia

esgarçar o peito aflito 
de poeta negro
investigar fibra por fibra
algum poema 
que nasce
feito cão sem dono
d'algum desastre
de abandono 
ou desenlace
e antes que se alastre
raiz no corpo
lançá-lo 
à cruz
como 
a um 
mártir

            Fev- 2024

Poema para a branca manhã

perdoe branca manhã
se busco refúgio na noite
por não 
compreende-la 
muito bem
mas a dor de ser homem
frágil em tudo
persegue-me como a um criminoso
persegue a polícia
a dor de ser negro me toma
invade o peito
estrangulado de mágoa
mas um dia
no regaço quente da amada
onde posso aliviar-me
das angústias
compreenderei-te como compreendo
minhas próprias dores
e te abraçarei com ternura
como à uma irmã
branca
e doce manhã

             Fev- 2024

terça-feira, 6 de fevereiro de 2024

Diploma

não fosse 
o tempo perdido
nas lavouras de café e cana
nos engenhos e garimpos
torrando ao sol
o miolo
talvez houvesse
doutor

não fosse
o sangue vertido nas secas terras
dos insalubres logradouros
coagulando na poeira
dos séculos
talvez houvesse
doutor

não fosse
toda perpetrada tortura
gargalheiras golilhas grilhetas
e cepos
os bárbaros assassinatos 
na densa selva
da história
talvez houvesse
doutor

mas tenho apenas versos 
sepultados nas frestas do tempo

                Jan- 2024