segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Espectros

                       Poema sobre o trabalho infantil
                                             e de homens nas carvoarias

imensos fornos pejados
de hulha em brasa,
medonho inferno dantesco
em tonalidade rubra,
construídos de sangue
a esvair-se pela pele:
esbórnia estúpida da vil
ganância aristocrática.

fagulhas incandescentes
borrando tragicamente
o céu azul.
uma fumaça escura
turvando a visão,
penetrando o pulmão
da infância perdida
num trabalho ilegal e degradante.

e são crianças, ainda,
adoentadas,
enfraquecidas e ignorantes.
e são homens a passo largo
à sepultura precoce.
e são velhos tísicos,
sem amanhã,
à beira da morte iminente.

pele negra, trabalho escravo,
ancestralidade...
mãos calejadas de tanto
sofrer descaso.
sonho tolhido
sob sol lancinante.
identidade há muito perdida
nas voltas da vida.

pés pisando nuvens
a roda do capital
no seu ciclo macabro.
pastel de quimera,
quimera no prato:
estômago colado
às costas e a epiderme
a desenhar em traço
trágico a ossatura.

injuriada infância
irmã de todos nós.
homem de lama de ainda
nem aurora ao crepúsculo.

cachorro baio de pele e osso
em moscas e escaras,
no cercado da propriedade
sem cercado de dono alheio.
rota e frágil estrutura
de madeira
esparsa coberta
com folhas escassas
de zinco furado: seu lar.

(uma industria suja, excelência,
que fabrica seu confortável automóvel,
que calça seus pés com seus tênis
da moda, seus sapatos finos,
patrocina seu terno de linho nobre,
sua cobertura milionária,
sua viagem de avião.
uma indústria suja, excelência,
que patrocina seu bom domingo,
das melhores cervejas, uísques,
do churrasco com as melhores carnes,
seu restaurante, seu alimento sofisticado,
a joia rara no pescoço da sua mulher).

                            Nov. 2013

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HaiCais

pulou do tanque
a rã de Bashô,
que será que ele acho(u)?


o sal do oceano,
será, meu Deus,
a lágrima do peixe?


eu olho a formiga
ela nem liga
passa e se equilibra


se espicha toda
a lagartixa
e come a barata viva


o que te importa
é a cor da epiderme? saibas,
será banquete de verme!


digo em verdade
brincar a síntese do verso
é a maior liberdade


reúno num haicai
minha África ancestral
e a cultura oriental


é de admirar
seu jeito torto de amar
ama amar sem amar


parado passo
andando me desfaço
e sigo passando


belo o boi no pasto,
mas belo? o que importa
é o boi no prato!


haicai suburbano:
pega o ônibus, vai de trem,
vive meio engano.


digo com apreço,
dinheiro? na sepultura
tudo é esqueleto!


castiga a fome
devora o ventre da criança
que há dias não come


abjeto salário,
por que não tenta o patrão
viver como operário?


brinca o vento
de desmaiar em teus braços,
corpo em movimento.


estou carente de amar
mas só tenho esta cama vazia
e a mania de pensar


quanto lamento
de dor... profundo canto
do sapo cururu


conta-me sabiá,
onde fica sua morada.
no pé de jacarandá?


DÚVIDA

sr. Peixe, pergunto:
no fundo do mar, como
dormes sem deitar?


A GALINHA

no manso murmúrio
do rio, a galinha, rente
à margem, dormiu.



INVERNO

bicho de pelúcia,
no denso frio da invernada:
criança agasalhada.



PRIMAVERA

brota a primavera,
num bem devagarinho...
-gorjeia passarinho!



ÀQUELE AMOR

hoje relembro com
ardor, toda a inocência
dos bilhetes de amor.



MANHÃ

vendaval imenso,
que revirou, imenso drama:
mexeu toda a cama!



DEPOIS DA CHUVA

passa a lua
no asfalto sob meus pés,
caminho por estas ruas.



FLORES DE ABRIL

finda as flores de abril,
pelas brandas mãos do outono.
-mais uma folha caiu!



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