terça-feira, 4 de junho de 2024

Enganos prescritos

ainda trago estas mãos incompletas
teu corpo ignorado em qualquer parte do globo
mãos de amores brancos
que não aprenderam pisar no solo 
das próprias dores

o matiz banto 
deste meu miscigenado espanto 
reclama teu chão legítimo
tua força autêntica de mulher astuta
senhora do seu destino
empoderada da sua história
e identidade

saberes tão definitivos nos cegam
com seus vieses de verdades absolutas
que somos sem o ser
e feito naus de saqueadores
cavalos de tróia de nós mesmos
vagamos senhores por águas perigosas

contra a própria vidraça
arremecei pedras de desamor
cego que estava para as cores esquecidas
e apenas tarde
descobri o mundo depois do crepúsculo
quando já era tarde
conheci o que me pintaram turvo
desde o jardim

o crime está cometido
mesuras e desculpas não restituem
o membro mutilado
o estrago é grande e grave
as raízes foram podadas e o fruto apodreceu
a árvore pendeu e dissipou-se
em plena vida
vida de enganos prescritos
esvaída

que é feito de nosso amor
mulher que eu desconheço mas amo
e que a ausência me dói nos ossos
que é feito de nós depois de tudo passado
agora que a neve caiu
que o vento carregou os sonhos
que estilhaçaram o espelho
de nossa alma

adeus!

           Agos- 2021