sexta-feira, 16 de fevereiro de 2024

Dante negro

vi nos teus olhos uma luz intensa
réstia de sol estilhaçando o vidro do peito
feito cristal que se parte em pedaços
ao cumprir sua sina de pedra
porque sou homem frágil
que sucumbe à luz de um olhar apaixonado

e teria sucumbido a outros olhos
não fosse o momento em que chegaste
atingindo-me em cheio no âmago
indefeso à tanta graça

hoje tua luz habita o horizonte
de onde diviso de sobre o monte de neve fosca
como habitasse as gélidas cordilheiras chilenas
teus braços implorando um pouco do calor
de meu corpo exausto de tanta guerra

como eu não fosse espectro
apagada estrela sem vida perambulando o universo
feito mendigo sem rumo na metrópole
e não fosse sequer mera recordação do que floresce
não fosse messe que apenas se espera abundande
se sou apenas esfacelado dante negro
chorando o amor de beatriz

                  Fev- 2024

São Paulo

queria cantar-te num poema
extraordinariamente
simple são paulo
mas você é complexa
as tuas formas o teu temperamento
não cabem num poema
e desdobro-me em palavras
pra dizer-te
em alguns poucos versos
cidade-chave
point de tantas tribos
que nem sei dizer quantas
rica mãe de pobres filhos
mas uma palavra
define meu sentimento
cinza flor de todas as flores
e esta palavra é amor

    
               Fev- 2024

São Paulo

enterrar a cara nos meandros
da cidade dura
desaparecer entre os traseuntes
e os edifícios
na carnadura de tuas vias congestionadas
respirar os gases que saem
dos escapamentos
escapolir por tuas ladeiras
cidade de papel
onde desenhamos nossas vidas
garatujamos nossa história
traçando sonhos
esquecidos
a mais bela mensagem de amor
chova-me cidade de pedra
que eu floreço
no teu aço no teu concreto duro
cidade dos negócios
cinza como teu céu de outono
cidade industrial financeira
quero adquirir uma porção pequena
de teus subúrbios
dormir e acordar na tua carne
de pedra bruta
criaria filhos sob teus decretos
se os tivesse
quanto de você mora em mim
é inconcebível
e gosto de fechar teus bares
chorando no copo as mágoas de amor
não correspondido
embora seja portador do amor que transpiras
por teus poros de pedra
são paulo
nem sempre tens a saúde
necessária para abrigar os filhos
que nasceram da tua placenta
e que vivem no solo do teu ventre democrático
quando muitos deles
perecem nas desgraças
emanadas de teus seios mãe amada
amei aqui
esqueci aqui
trabalhei aqui
e vou descansar meus ossos na tua terra
cidade de contrastes
tão violentos às vezes que angustia
mas teu nome
tua vivência muitas vezes cheia de defeitos
tua estrutura rija feito aço
tuas matas teus mangues
tuas entranhas inesploradas
já têm registro reconhecido em cartório
caos urbano
rica arquitetura
grã-fina e miserável cidade
que não dorme

                            Fev- 2024

Aqueles tristes dias

quando te fizeste fera perdendo 
as estribeiras
quando me atiraste pedra e crucificaste
como um jesus negro
não entendi muito bem a tua tempestade

e como um comunista doei 
até o que não tinha
pela causa de um amor que nascia

mas tu choveste tanto
que me alagou me inundou de tua ira
que eu não entendia

depois de tanta incompreenção
incerteza e guerra
rendi-me e dei por perdida a causa

entreguei as armas
e chorei as mágoas até secar as águas
de todo o corpo abatido e cansado

tu não sabes
mas como chorei tantos dias
e tantas noites ao amor

que ainda ao brotar sem folha
sem fruto todo frágil e pequeno morria

                           Fev- 2024

                  

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2024

Uns braços

não quero complexidade
muito menos poemas herméticos
quero a liberdade
cravada em pedra simples
sequer quero diamantes lapidados
se me faço em rocha
de minerais
habitado

nem quero
ruminar passadas mágoas
se me deságuo rio
e sou feito de águas
confrontando
estios

sou mais longo abraço
inteiramente afeto
daquela a quem me entrego
a quem não nego o laço
do mais puro
sentimento

e fica dentro desses braços
meu quilombo
é lá que renasço
que me faço e me desfaço
regenero-me
de todos os tombos
desembaraço
encontro minhas raízes
e sou angola nigéria congo
sou banto
apesar das cicatrizes

                 Fev- 2024

Fragrância

esta lenta sedução que somos
esta interminável dança
expõe meu ponto fraco
tua úmida fragrância

e no lusco-fusco vermelho
de tarde chuvosa
nos teus rubros lábios
ensaio um beijo

e mesmo que tu incógnita
eu ainda mais desejo

               Fev- 2024

Ensaio

você me suscita o estro
sussurrando pétalas de promessas
e eu desdobro em versos
todo meu ser

para te ver em festa
correndo os olhos atentos
nos meus textos

e no fim da conversa
reescrevo com fel e mel o traço
do que somos distância
então nos vejo um
e renasço

nas brumas sutis da nossa dança
em silêncio me desfaço

                  Fev- 2024

Carnavalizando 4

as palavras estão inquietas
dentro da metáfora
figuram em estado de rebeldia
a liberdade de folha que do calho
desprende-se querem
quarta de cinzas
o momo tranca a cidade indgnado
cidade sem saneamento
e coisa e tal
mas o que é carnaval?
preto no branco
carnaval é negócio e do branco
não é mais do preto que inalgurou
desceu pro asfalto
mudou
passista agora é socialite
ou filha de doutor
preto se esfola pra pagar fantasia
e o lucro da festa não é 
da favela
o que mais nos resta
pobres coitados se não a folia
acordar quinta-feira
à ressaca
de todo dia

                  Fev- 2024

terça-feira, 13 de fevereiro de 2024

Carnavalizando 3

a comissão de frente
abria o desfile
introduzindo o enredo
que trazia à avenida
o mestre-sala dos mares
o almirante negro
joão cândido
era o samba mais lindo
que falava da nossa história
mas faltou a rainha
na tua bateria
que seria a tua glória
paraíso do tuiuti
aquela do meu coração
que à essa hora dormia

          Fev- 2024

Carnavalizando 2

apoteose na avenida
o mestre-sala da minha escola
negro de samba no pé
performava certa tristeza
que no pensamento
cobriu de adereço
certa porta-bandeira
mas não esperava o avesso:

esquecera seu endereço!...

          Fev- 2024

Carnavalizando

tenho o samba no peito
da minha escola você é destaque
faz desfile perfeito
a mais elegante sambista
na cadência bamba da bateria
só dá você na avenida
podia ser todo dia
desfile de carnaval
mas então eu desperto do sono
e está tudo igual
entre mim e minha passista
este abismo abissal

           Fev- 2024

Estrada

tanto ardor 
em querer-te bem
que no meu peito 
afogado
sou eu mesmo e ninguém

tanto empenho
em esperar-te na caminhada
que minha vida poeta
é mais vida 
sonhada

e enquanto
espero-te e me proponho
uma vida abnegada
vejo escoar-se 
os sonhos
por toda estrada

         Fev- 2024

segunda-feira, 12 de fevereiro de 2024

Terra do meu amor

terra seca que não germina
exausta terra rachada
terra nordestina 
do meu país
terra da caatinga e do sertão
houve escravidão na tua jurisdição
mas o teu condão
é de liberdade
terra que perdeu fertilidade
tantas vezes violada
que enriqueceu iaiá e nhonhô
velha terra castigada
de vovó e de vovô
e de toda uma linhagem de escravos
tantos crimes sob teus domínios
terra sagrada do meu amor
e de vovó e de vovô
deixo aqui este poema
terra que tantas vezes sangrou
onde coagulou o sangue ancestral
gigante terra menina
terra que não dá pasto nem cana
terra que não germina
minha terra nordestina

              Fev- 2024

domingo, 11 de fevereiro de 2024

Carnaval 2

o circo sem o pão
um cisco no olho do momo

              Fev- 2024

Carnaval

carnaval na avenida
plumas requinte luxo e apoteose
na goela da madrugada
blocos de foleões
gastando reservas de ânimo para o ano
que se inicia
fantasiados mascarados
embriagados de festa fugindo às obrigações
por três dias
todos incinerados de folia
renascendo das cinzas na quarta-feira
para realidade de todo dia
e recomeça fevereiro
seguinte
para mais um ano
tudo igual
fome miséria descaso
e carnaval

                Fev- 2024