Poemas de temática social onde aborda, em linguagem simples, de maneira aberta e franca a fome, a miséria, as desigualdades e os privilégios da elite brasileira, e, voltados para a condição do negro e afro-descendente no Brasil fazem menção a fatos históricos desde o continente de origem (África) aos dias atuais, ao amor, à paixão e ao desejo.
segunda-feira, 5 de fevereiro de 2024
comia a bola nos campos das favelas da cidade. não tinha com o que nem como. quê de craque meio pelé meio garrincha seu livro era a bola. ainda que não quisesse outra coisa que não ela apenas bola tudo bola andou entortando as linhas do gramado os perímetros da área. sem igual craque da pelota passou da noite para dia a cachimbar seus sonhos o cachimbo que a boca entorta entortou seus voos. consumia e consumia-se crack nos desvãos da favela nos matos atrás dos campos era já consagrado craque não mais da bola mas do crack.
domingo, 4 de fevereiro de 2024
Reflexão
infância preta na favela
perto do álccol e das drogas e longe da escola
diz muito ao olhar agudo
e nada à vista rasa
ou à vesga visão dos hipócritas
lembra senzala
ou às leis que enojam
qual ventre livre de escrava
ou tetas secas que engordam
o robusto fruto da sinhá
que mais há de vir
desta equação amarga?
o inesperado astro da bola
ou o ordinário
cargo subalterno
n'alguma empresa ou fábrica?
ou a gaveta fria do IML
sem mais nem identidade
sem mais nada?
enquanto reflito
mais um grã-fino esnoba
o favelado pretinho que esmola
Jan- 2024
sábado, 3 de fevereiro de 2024
comeram o pão e a carne, fruto de mão escrava. beberam o vinho, concebido pelas mesmas mãos. lambusaram-se a noite inteira com dança, música e gargalhada, como não houvesse amanhã. o maior banquete do melhor alimento e bebida, tudo fino e caro. pela manhã sairam em diligência cada um para o seu palacete deixando para trás o rastro de esbórnia jamais vista, sem pudor ou culpa, para suas vidas de conforto, luxo e riqueza. indefesos, porém, a própria fragilidade encarnada.
quinta-feira, 1 de fevereiro de 2024
Crespitude
meu crespo dito ruim
é que me fortalece na caminhada
cresce força e negritude
mas na sua boca
é vergonha descarada
enquanto não passa
de atitude
e mais nada
Fev- 2024
Lapso de cor
no papel o branco
é cor igual a qualquer outra
inclusive ao preto
por que na gente os brancos são mais
e os pretos
cercados de preconceitos
são vistos
como animais?
Fev- 2024
quarta-feira, 31 de janeiro de 2024
Área de risco
área de risco
que desliza e desmorona em escombros
não é só a encosta dos morros
onde vivem os desgraçados desta terra
área de risco
é também não mais indignar-se
não insurgir-se
contra a instituída sacanagem do estado
contra o povo deste país
rico e pobre na sua essência
é baixar a cabeça
e aceitar calado a imposta
escrecência
dos poderosos que ditam as regras
em forma de desprezo
e bosta
Jan- 2024
Urubu
me chamam de urubu
quisera ter asas fortes pra voar
pleno tantos céus
e a única carniça que me cabe
é o preconceito
dos racistas
Jan- 2024
Iconoclastas
ódio aos terreiros
à macumba
à crença dos negros
os racistas estão soltos com facas nos dentes
e sangue nas nas mãos
a liberdade sobrevive aos tropeções
à democracia perneta gritando socorro
a fé nalfraga frente à estupidez
demonizam divindades negras
e exaltam violência
sem clemência ou culpa
pitam um deus homem velho e branco
quando pode ser uma criança
menina negra de trança
correndo n'alguma relva d'algum quintal
brincando de fabricar esperança
contra a embriaguez
do preconceito
enquanto os tortos conceitos iconoclastas
cerceam direitos
tolhem a liberdade ao culto
deus não tem igreja é de todas as crenças
de todos os povos
de cada homem que nele crê
e dos que não creem
também é pai
está para salvar indistintamente
mas com a cega violência
sofre a umbanda
sofre o candomblé
e os criminosos que devastam terreiros
país afora, não sabem,
são afluentes da mesma dor.
Jan- 2024
Insana espera
fazer de hoje meu descanso
este pilão socando destroços de dia
para conceber o doce amargo
de tua ausência
acostumar-me ao abismo
que nasce do nosso encontro
n'alguma dura esquina
do desencontro
regar a semente que germina
no frio concreto de teu peito
e reencontrar-te para colher a flor
sobrevivente
que nasce dessa insana espera...
Jan- 2024
Verão
reproduzir-te nas minhas retinas
e inundado da tua imagem
transbordar as mágoas
no chuvoso janeiro
Jan- 2024
(Des)crença
a igreja me afasta
de suas crenças e liturgias
adorar brancas entidades
recorrer a um deus branco que me resgate dos pecados
eu tão preto quanto os orixás
em que acreditarias tu
no meu lugar?
Jan- 2024
Manhã
eu acredito na noite
porque ela tem em si a cor de minha pele
e ainda que me seduza a serpente
de mortal peçonha
sobreviverei à esta manhã
à cilada entorpecente de sua alva
está escandalosa brancura
que me cega
Jan- 2024
Abraço
nem povos extintos pela guerra
nem livros inacabados que não chegaram a ser
nem escombros de pétalas no jardim do peito
nada que consuma a força de mil braços
ou que sepulte a madrugada embriagada
dos loucos da cidade
nem o cais do porto de muitos séculos
nem os logradouros insalubres da província
de onde os donos de terras negociavam seres
nada
nada nos afastará
da comunhão de nossos corpos
desesperadamente entregues à bruma da madrugada
nada impedirá que renasçamos onde nasce nosso afeto
no alarido de nossos braços
encontrando-se no meio da noite
Jan- 2024
terça-feira, 30 de janeiro de 2024
Desespero
ninguém mais se espanta com a miséria
catando restos de feira
ou no ceasa
quer alçar voo o pássaro
mas as asas estão partidas
a liberdade é sonho oculto sob às mágoas
estão turvas as águas
da bonança
nesta festa ninguém mais dança
e o olhar de fome da criança
já não comove
é certeiro o tiro no coração da esperança
já não negociam mais a paz
os coqueteis molotovs
nas passeatas
e a mãe que amarga aquele olhar
traz no ventre um vazio que já não aguenta
uma avenida onde antes placenta
Jan- 2024
Abolição
liberdade concedida,
abolição?
como, se antes escravos
depois portas abertas à sarjeta
ou o mesmo eito
por meio pão?
o poeta cunhou: meia obrigação!
roubo-lhe o refrão
e modifico:
que houve no brasil, vergonha,
algo menos
que meia disposição!
Jan- 2024
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