quarta-feira, 18 de setembro de 2024

Pedaços da fome

                   Poema em homenagem à Carolina Maria de Jesus

a vida agora é de alvenaria,
os objetos, os filhos, as flores...
a casa talhada a lápis com palavras de dor.
filhos adotados dos teus braços pela miséria.
o prego, a madeira, a fome, o silêncio,
o trabalho e a solidão.
o ódio de deus sobre os ombros dos teus,
sobre os ombros
dos que não têm que querer,
cuja escolha é não ter escolha.
nada conterá a força das tuas palavras
ainda que as águas das chuvas tenham contido
teu corpo franzino, anônima de papel,
estrela sem hora
nas ruas avessas da cidade.
cidade hostil, afeto de pedra, flores sobre a sepultura.
nuvens de África, ares de África, sois de África.
sopa de vento, poeira de terra no prato,
está no pasto este gado,
ou nos finos pratos de louça fina.
qual a cor da fome, Carolina?
dos pedaços da fome?
despejada de cada quarto, de todo canto,
preterida da vida.
zela da veste granfina,
desdobra-se a cuidar deste chão,
e sonha, Carolina!
escreve e sonha, Carolina!

           Maio- 2020

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