por milagre de Oxalá
por milagre de Olorum
hoje eu escrevo a minha dor
desde tempos remotos eu só sentia
desde tempos remotos eu nem sentia
da prole da mãe negra
mãe que trouxe o barro no ventre
tão acostumada a desmandos
sou a ovelha desgarrada
ovelha que pode tingir o papel de negro
que escapou e escapa na prece
que fizeram aos santos
na encruzilhada no meio do mato
os negros analfabetos
os negros sábios
os negros marcados das senzalas
essa ovelha que ouviu dizer
que ouviu e ouve as vozes dos livros
os lanhos na carne
o sangue coagulado na poeira
os ferros dizimando a dignidade
coisas difíceis ouviu e ouve
ovelha teimosa de olhos e ouvidos bem abertos
ovelha milagre de Oxalá
que escapou e escapa às armadilhas
às armadilhas dos senhores de escravos
senhores que pagam barato por negro capturado
que multiplicam as suas riquezas
ovelha milagre de Olorum
tentando resgatar o rebanho
às vezes em vão que a luta é cruel
que ovelhas desgarradas que virão
por milagre de Oxalá
por milagre de Olorum
ouçam a minha voz
ouçam as vozes dos livros
ouçam do sangue das correntes das lutas
por prece dos negros sábios no meio da mata
por milagre de Oxalá
por milagre de Olorum
Dez- 2023