flor rompendo o asfalto, nasceu um poeta suburbano,
poeta assim meio inquieto, meio discreto, meio engano.
versado no seu dialeto, compõe seu verso meio profano.
morreu na cruz, morreu, morreu Jesus enquanto humano,
quem morre no SUS, à margem morre, morre subumano.
o céu que vejo é uma nuvem de monóxido de carbono,
se o céu não vejo, estrelas vejo, mas apenas em sonho.
concebi um lindo verso, assim meio com cara de aborto,
bem semelhante ao feto que um dia vi no meio do esgoto:
saiu um poema torto, um poema coto, um poema morto,
então, ando meio bronco, meio bronca, assim meio pouco.
Junho- 2016
Poemas de temática social onde aborda, em linguagem simples, de maneira aberta e franca a fome, a miséria, as desigualdades e os privilégios da elite brasileira, e, voltados para a condição do negro e afro-descendente no Brasil fazem menção a fatos históricos desde o continente de origem (África) aos dias atuais, ao amor, à paixão e ao desejo.
quarta-feira, 10 de abril de 2024
domingo, 7 de abril de 2024
Jesus Cristo
Jesus Cristo é crioulo
tição verdadeiro
nasceu em morro carioca
feito Noel Rosa
Cartola
Machado de Assis
descende de orixá
filho estimado do pai Oxalá
prega a paz embora pregado na cruz
mas o coração de Jesus
sangrando
perdoou e perdoará
Ele é carapinha
falsa é a imagem atribuída
lutou por liberdade
sendo feito Gama abolicionista
há de haver
perdidos registros
que estas palavras ratificam
dois mil anos
que se sabe transformaram-te a cor
do pixaim
nasceram escorridas madeixas
e o olho azulou
o que fizeran Santo Pai
da Tua imagem
Tua prole descende
d'África
nosso eterno Pai é brasileiro
se provar não posso
o que peremptório assevero
também provar
ninguém pode esta cor
tão desbotada
que envergam nos templos
Tuas imagens
tanta incerteza sobre
Tua história
me faz acreditar reclamando
Tua nacionalidade
digam toda a verdade
sobre Teu cabelo
sobre Teus olhos, sobre Tua pele
que renuncio minhas certezas
que Cristo é brasileiro
que é carapinha?
retinto tição verdadeiro.
Out- 2021
Apedrejamento
um jovem negro foi apedrejado até a morte
e o cadáver arreganhou os dentes amarelados
na via pública
na via pública
do sol a pino da tarde
à luz da lua da madrugada
esta pedra tem cor e classe social
e os parasitas brancos
da sociedade
branca
legislavam em congresso a má sina do gado negro
e os parasitas brancos
da sociedade
branca
condenavam nos tribunais
o gado negro ao matadouro sem uma gota de dignidade
eu conheço
uma legião de zumbis negros
que sofrem
apedrejamento diariamente
até
que encontrem a mesma sorte
do jovem negro apedrejado até a morte
com a pedra
que a sociedade
branca
dos parasitas brancos
inventou para vitimar jovens negros
já tão vitimados
por todas
as mazelas da sociedade branca
dos parasitas brancos
Out- 2019
sexta-feira, 5 de abril de 2024
Racismo estrutural
nas novelas, via de regra, eu sou a empregada.
nos filmes a prostituta ou o traficante.
nas propagandas de natal a coca-cola.
nas de margarina o café.
nas de carro o pneu ou o passageiro.
nas de fralda a pupila.
nos telejornais a caneta do apresentador.
nas redações dos jornais as teclas do computador.
nas empresas a faxineira.
nos condomínios de luxo o porteiro.
nas universidades o quadro negro, que é verde.
nas orquestras o smoking do maestro.
na oscar freire o mendigo.
nos shoppings centers o segurança.
nos livros didáticos e paradidáticos os escravos.
no congresso os ternos dos nobres parlamentares.
nos tribunais as togas dos excelentíssimos juízes.
nas academias as fardas dos imortais.
nas bibliotecas públicas as lixeiras.
nos bancos as copeiras, será?
nos hospitais... repartições públicas...
essa é a vergonha do rascismo estrutural no brasil,
treine o seu olhar, se quiser, é claro!
Jan- 2024
quarta-feira, 3 de abril de 2024
A cor de minha busca
eu escarro e cuspo sangue negro
na cara desdenhada do feitor
na cara desdenhada do feitor
que me chibata,
este destino imposto às custas
de tanto sangue,
na cara de escárnio
do patrão dono do fruto
usurpado dos meus esforços.
porque negro é o escroto que me trouxe
de terras remotas,
a placenta que acolheu
o tambor do meu peito no ventre
de minha mãe negra.
desde a aparência renegada
das minhas origens
à mista cor dos corpos herdeiros
dos horrores das senzalas,
das dores das torturas tantas vezes negadas.
negra é a cor de minha pele,
negra são minhas palavras
e a minha poesia,
negra é a raça humana desentranhada
de África mãe, negro
são os caminhos onde forjo
meus passos em busca
de minha verdadeira história.
Jan- 2021
terça-feira, 2 de abril de 2024
Black power
o sutil asfalto no seu fino trato
alaga o sorriso no rosto
do favelado
rio que deságua no mar do sofrimento
e na inércia do conjunto que não é o todo
porque somos muitos
despenca o negro pirâmide
a
bai
xo
negrura exposta na estrutura social
no geográfico caráter do não viver
que resiste ao impossível
dissipando o tempo na angústia
do não ser
-gado e pasto-
sociológico abandono
estrutural desenlace
desengano e sociedade
e lega-se mágoa
vende-se a alma ao diabo
a preço de centavos
suados
sob o anverso da moeda do escárnio
apartheids segregam flores do mesmo jardim
demagogia racial tranca as portas do acesso
cotiza exclusão
mas o poder do negro cresce pra dentro
e transborda poesia
para os poros lacrados da humanidade
Set- 2021
segunda-feira, 1 de abril de 2024
Poeira
era pedra e pedra e virou pó
e compôs a poeira nas galáxias
sobre os mares, nos desertos
o cisco nos olhos
o pigarro nas gargantas
o pó na estante entre os livros
dormiu com os livros
e penetrou nos livros
e aprendeu as palavras
e devorou os livros
na magia do saber que transforma
depois de tanta andança
deu-se o improvável
mas nunca o inesperado
tornou-se pedra, estrela e lua
hoje, através das frestas do barraco,
faz voar a imaginação
faz sonho onde havia vazio
ilumina o livro nas mãos
do menino pobre que aprende ler
Set- 2019
e compôs a poeira nas galáxias
sobre os mares, nos desertos
o cisco nos olhos
o pigarro nas gargantas
o pó na estante entre os livros
dormiu com os livros
e penetrou nos livros
e aprendeu as palavras
e devorou os livros
na magia do saber que transforma
depois de tanta andança
deu-se o improvável
mas nunca o inesperado
tornou-se pedra, estrela e lua
hoje, através das frestas do barraco,
faz voar a imaginação
faz sonho onde havia vazio
ilumina o livro nas mãos
do menino pobre que aprende ler
Set- 2019
domingo, 31 de março de 2024
Por meu sangue ainda passam
por meu sangue ainda passam
os ventos dos mares necrópoles
e o hálito amargo das ondas
brindam mistérios antepassados
sofridos nas vagas de oceanos hostis
ante os olhos das nações
ainda passam por meu sangue
quintais de antepassadas lidas
as brincadeiras
dos moleques a furtarem frutas
das goiabeiras antigas
a fome nos trópicos
por meu sangue ainda passam
quilombos vencidos pela guerra
vozes de atrozes banzos
marcando com seus brasões as minhas veias
remetendo a dores ainda vivas
sob as cicatrizes
ainda passam por meu sangue
velhas lavadeiras com seus lamentos
e as roupas imundas do passado
rumo aos rios das angústias
quarar as queixas
vivendo sempre dias iguais
por meu sangue ainda passam
os olhos vítreos das senzalas
acomodando desesperos nas noites intermináveis
curando expostas chagas com sussurros
a liberdade estupefata
com os horrores do cárcere
por meu sangue ainda passam
ainda passam por meu sangue
Fev. 2021
sexta-feira, 22 de março de 2024
O barro transborda
o barro da minha cidade está nas bordas.
o negro está nas bordas, está no barro das bordas da minha cidade.
cifrado no barro o negro está, no longe onde se extravia a vida, onde há vida que se nega a negra cor do meu país.
o asfalto chegou (para alguns lugares, às bordas das bordas não).
carnaval sem adereço, lágrima clara sobre pele escura, o negro chora, não é mais dono do estandarte. a passista hoje tem endereço nobre, a favela sobra.
o barro está nas bordas, nada muda, tudo muda numa metamorfose trágica, no geográfico apogeu do abandono desprezo descaso. o investimento do estado é parco, exceto o cinza de barcas sombrias onipotentes onipresentes com seus radares discriminatórios.
quase sempre o alvo é negro, dos disparos deflagrados. a farda a patente o coturno sobre o pescoço da negritude sufoca diversidade, os soldados são negros, treinados para ignorar.
o poder pelo dinheiro aniquila com os sonhos das gentes, antes mesmo que pudessem sonhar.
ninguém está sozinho afundando na lama, almeja-se a cauda duma estrela, dum cometa que irá resgatar a todos dos confins.
o barro está nas bordas, estende-se infinito de cidade em cidade até a próxima capital, a conurbação, megalópole do desespero.
quanto de barro há nos edifícios cobertos de luxo? que braços são os verdadeiros donos do progresso?
os pais são os pés e os braços do meu país, os filhos a cara cara da fome, onde todos trabalham e ninguém come. nestes cantos lamentos mudos mudam a cara da cidade de alegre em triste, onde tudo existe à margem, nas margens de regatos podres, de magros ratos e esquálidos destinos. o muro o mudo olhar a ponte em escombro escondem a parcela condenada dos que habitam vielas barracos ruelas morros com cheiro de morte, onde todos improvisam um sol que não existe, um céu nublado toda vida. os cães fazem a festa no lixo amontoado em fins de ruas.
nas bordas da minha cidade existe vida, existe olhares suplicantes que ninguém vê, ninguém quer ver. o natal passado levou beatriz muito cedo, cedo demais para que se entenda, no dia que nasceu o menino deus, o presente de uma tonelada na cabeça do seio familiar, na cabeça de toda a comunidade acostumada ao barro ao berro, à boneca branca da menina negra sob escombros.
nos terreiros apenas os orixás são os mesmos, as mãos nos tambores são outras, as bocas que entoam as litanias são outras, os corpos que recebem os santos são outros.
a história se repete, o barro das cidades do meu país transborda.
Jan- 22
quinta-feira, 21 de março de 2024
Pedra rara
é nas primeiras horas do dia
que fala aos meus sentidos tua essência
amiga da textura das rosas
da etérea força
do amor
e com a delicadeza das pétalas
vem tocar meu peito
ávido por qualquer carinho
a manhã está plena e eu não me farto
na insuficiência do tempo
nem a noite me rebela
caindo como o rocio na grama
mas me faz dormir
na tua luz
como estes olhos tão recentes
atravessam minhas pupilas
e dormem na memória do meu sangue?
o cheiro campestre da tua pele
a boca virgem dos meus lábios
os cabelos de prata que te enfeitam
tudo tudo me espera dentro
do tempo
espera o toque delicado dos meus dedos
como um anjo espera por deus
dentro de um sonho prestes a brotar
como brota da terra o milho
Agosto- 2022
terça-feira, 19 de março de 2024
História concisa do negro na terra brasilis
no princípio o verbo era no peito
era a senzala, a fome, o tronco
o engenho, a moenda
nas lavouras havia o eito
e não havia salário
depois veio a indústria
a construção, a favela, o torno
a fome, o martelo
o macacão operário
então veio o progresso
e ainda a panela vazia
a escola, o livro, a universidade
e a muito custo então o verso
por fim, já não havia utopia
Dez- 2023
Mensagem
esperei pelos correios um telegrama
mas o carteiro desconhece meu endereço
a internet suplantou os telégrafos
tudo mais fácil à urgência que é a vida
minha sorte talvez mude
e transforme o meu destino
mas nem por e-mail a mensagem não veio
inútil qualquer espera
não há advento possível à dor
de amor ausente
sepulto no silêncio meu drama
e teço mais um poema
de tantos esquecidos
na noite repleta de solidão
noite amena
Mar- 2024
Esse jeito de amar
tanta bela forma de descrever uma mulher
e eu a descrevo carne osso pele pelo que transpira e sangra
o amor transcende a matéria
mas eu só consigo e quero te ver concreta
coisa que se vê e toca e experimenta
Mar- 2024
quinta-feira, 14 de março de 2024
Tem gente com fome
engajo tremendo sorriso
ao contato da luz amena da manhã
amena e doce manhã
mas logo desfalece
esvai-se todo entusiasmo
tem gente com fome
e é pornográfico um sorriso
talvez eu fosse feliz
não fosse tanta gente com fome
e eu tão pequeno poeta
fosse grande
também não sanaria a fome do mundo
poeta pode apenas o verso
e a angústia do povo não espera
renasce a cada manhã
a barriga colada às costas
e o olhar perdidamente triste
famélico olhar
constrange um riso rasgado
de orelha à orelha
mesmo para o espetáculo
da luz amena de uma doce manhã
devia constranger todos os homens
mas tem gente rindo à toa
no conforto de suas posses
e se tem criança sem pão
paciência
o destino quis que assim fosse
eu conquistei minha manhã ensolarada
à beira desta piscina
saboreando este uísque caro
trabalhei muito para degustar esta manhã
e até se aborrece
se alguém lembra das misérias do mundo
mas ali ninguém lembra
ninguém vai lembrar
Jan- 2024
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