subversiva pele que me cobre a carne
o homem colonizou, escravizou e destruiu
reputações e direitos,
mas tua força resistiu a batalhas atrozes
depois do estupro, da tortura e do assassinato.
os desmandos devastaram
povos, garantias e legados sob a perplexidade
de olhos oprimidos.
exposta às crueldades mais perversas
não se dobrou às ferozes ações contra a tua honra,
usurpada das tuas necessidades
fundamentais, e lutou em guerras tremendas,
embates desgastantes, cruciantes batalhas.
ansiaram em dizimar
teus conceitos, teus valores, teu caráter,
mas os ombros que envergam tua dignidade
não entregaram-se aos açoites covardes do opressor
e tu resistiu à chuva e ao sol das lavouras,
ao trabalho constante
sob mais torturas, mais açoites e crueldades.
subversiva pele que me cobre a carne
a carga imposta à tua linhagem
tem lhe deixado sequelas difíceis de curar,
cicatrizes de uma vida de desgastes.
mas tua capacidade de indignar-se,
de rebelar-se contra
as atrocidades todas de que é capaz o homem
enche de orgulho estes peitos
marcados pela dor e pela bravura
que tu proteges,
esta tua índole para recomeços e conquistas.
apenas a este povo
de grande destemor, valentia e audácia,
de brios inomináveis és tu capaz de servir.
Maio- 2020
Poemas de temática social onde aborda, em linguagem simples, de maneira aberta e franca a fome, a miséria, as desigualdades e os privilégios da elite brasileira, e, voltados para a condição do negro e afro-descendente no Brasil fazem menção a fatos históricos desde o continente de origem (África) aos dias atuais, ao amor, à paixão e ao desejo.
sábado, 5 de outubro de 2024
segunda-feira, 30 de setembro de 2024
Mendigos
perambulam sem rumo certo
atormentados de tráfego e fuligem
possuídos da inceteza
do que virá na próxima esquina
bem raciocinam no avesso da razão
a lucidez da loucura
famintos ratos das ruas da cidade
loucos alucinados
de gás e buzina
caminham pelas sombras
do que já foram
seres de pele escura de sebo e melanina
sequer sabem de onde veio a sina
(o homem que arvora-se a explicar o homem
quase nega um passado que condena
passado de tronco senzala e algema)
e espectros das próprias
sombras
insenssíveis os passantes
nem os notam
invisíveis são a própria chaga exposta
chafurdando restos dos restaurantes
acomodando-se sobre as próprias
bostas
Jan- 2024
sexta-feira, 27 de setembro de 2024
De que falou o poeta
Ao poeta Abdias Nascimento
minh'alma atada à noite gerou o verso improvável
assimilado por minha pele porosa de estrelas
que estendeu na extensão de meu corpo
a percepção do que falou o poeta em eras diversas
e que ora toca a superfície das retinas calcinadas
e escalei montes, transpus as alturas das montanhas
até que avistasse no ermo das horas perdidas
os tempos de espantos memoráveis,
de hostilidades vãs,
mas meus olhos sob as pálpebras
não verteram lágrimas ao espetáculo deplorável
e a poesia me disse tudo o que eu precisava saber
como o sêmen da chuva fecunda a terra
e faz germinar o grão que alimenta o corpo faminto
nasce do ventre da palavra o grão de que precisa o homem
para alimentar o diamante bruto da alma
permitir que a amplidão sobre nossas cabeças
perpasse o instante de um sonho
e que este instante seja definitivamente as nossas vidas
a fonte perdida das palavras extremamente grandes
Mar. 2020
minh'alma atada à noite gerou o verso improvável
assimilado por minha pele porosa de estrelas
que estendeu na extensão de meu corpo
a percepção do que falou o poeta em eras diversas
e que ora toca a superfície das retinas calcinadas
e escalei montes, transpus as alturas das montanhas
até que avistasse no ermo das horas perdidas
os tempos de espantos memoráveis,
de hostilidades vãs,
mas meus olhos sob as pálpebras
não verteram lágrimas ao espetáculo deplorável
e a poesia me disse tudo o que eu precisava saber
como o sêmen da chuva fecunda a terra
e faz germinar o grão que alimenta o corpo faminto
nasce do ventre da palavra o grão de que precisa o homem
para alimentar o diamante bruto da alma
permitir que a amplidão sobre nossas cabeças
perpasse o instante de um sonho
e que este instante seja definitivamente as nossas vidas
a fonte perdida das palavras extremamente grandes
Mar. 2020
Hoje não tem quilombo
Hoje não tem quilombo,
onde agora estancar o sangue,
mitigar do conflito, curar as feridas?
O efúgio talvez fosse uns braços
de mulher,
mas o ódio é substância nociva
que asfixia com mãos
de aço o amor,
e a opressão maltrata
o sentimento e o desejo se esvai
entre balas de borracha
e bombas de gás lacrimogênio.
Estamos obrigados a submetermo-nos
às regras e às leis do opressor,
mas aquele negro que não luta
pelo fim do racismo,
que não protesta por cota,
que não protesta por terra
e por bem estar social,
garantias usurpadas de nós,
tem que despir-se
da pele negra
feito serpente que faz a troca,
e vestir-se com a pele do opressor,
tem que vestir-se da pele branca.
Nov. 2019
onde agora estancar o sangue,
mitigar do conflito, curar as feridas?
O efúgio talvez fosse uns braços
de mulher,
mas o ódio é substância nociva
que asfixia com mãos
de aço o amor,
e a opressão maltrata
o sentimento e o desejo se esvai
entre balas de borracha
e bombas de gás lacrimogênio.
Estamos obrigados a submetermo-nos
às regras e às leis do opressor,
mas aquele negro que não luta
pelo fim do racismo,
que não protesta por cota,
que não protesta por terra
e por bem estar social,
garantias usurpadas de nós,
tem que despir-se
da pele negra
feito serpente que faz a troca,
e vestir-se com a pele do opressor,
tem que vestir-se da pele branca.
Nov. 2019
De leituras e ciências
cada vez que fecho um livro me abro,
multiplico a capacidade de me ler, com olhos isentos,
transcendidos de ambição, depois
de tanto horizonte.
e neste olhar para dentro me vasto, despido
de vaidades, me sei do avesso.
exposto a mim, as páginas escritas do tempo,
norte das outonais aragens, cumprem a ordem estável,
mesmo que algum desejo
de transforma-las agite uma cobiça
adormecida, um interesse além do possível.
vem daí a paz do meu sono, da ciência de poder me ver,
elucidar as obscuridades
entranhadas no inconsciente, penetrar no insabido,
no negado aos sentidos,
no oculto sob a casca que nos veste.
isto me põe satisfeito, humano radicado na vida.
por isso abro os livros
cada vez mais,
matuto o lodo sob as palavras.
antes que sepulte-me a noite, derroto distâncias,
conquisto páginas, conheço seus finais
e venço a guerra cada vez que os fecho, depois de lidos.
Abr- 2020
multiplico a capacidade de me ler, com olhos isentos,
transcendidos de ambição, depois
de tanto horizonte.
e neste olhar para dentro me vasto, despido
de vaidades, me sei do avesso.
exposto a mim, as páginas escritas do tempo,
norte das outonais aragens, cumprem a ordem estável,
mesmo que algum desejo
de transforma-las agite uma cobiça
adormecida, um interesse além do possível.
vem daí a paz do meu sono, da ciência de poder me ver,
elucidar as obscuridades
entranhadas no inconsciente, penetrar no insabido,
no negado aos sentidos,
no oculto sob a casca que nos veste.
isto me põe satisfeito, humano radicado na vida.
por isso abro os livros
cada vez mais,
matuto o lodo sob as palavras.
antes que sepulte-me a noite, derroto distâncias,
conquisto páginas, conheço seus finais
e venço a guerra cada vez que os fecho, depois de lidos.
Abr- 2020
Tarde
teus olhos no poema
aquela província dos gestos
ainda jovens
os dias curtos dos afagos
e o silêncio cumplice
das flores
lembrar é ainda ter
mesmo que a posse seja nuvem
que não cabe no abraço
e eu não esqueci teu nome
grafado na pele
na razão
mitigar as horas
encasteladas no teu beijo
que não se apaga
Poema sem data
Ofensa abolida
ninguém te deve nada irmão,
e este teu dano mental
que a palavra
nem escoa bem da tua boca
e tu vacilas, tartamudeias,
e entre outras coisas,
constrangido, isola-te?
e este teu saber escasso
que te põe à margem dos fatos
e tolhe teu entendimento
das coisas até as mais banais,
e ainda envergonha-te?
e esta tua relação com os ratos
que frequentam teu catre
enquanto doas o sangue na labuta
braçal de todo dia?
e os dentes que te faltam
e as moléstias que te sobram
e o alimento que te falta
e as ilusões que te sobram
e os afetos que te faltam
e as injúrias que te sobram
e este pouco morar,
este pouco vestir.
e este pouco amar,
este pouco dormir.
e este pouco prosperar,
este pouco ir e vir.
e este pouco divertir, divertir?
ninguém te deve nada irmão?
Out- 2019
e este teu dano mental
que a palavra
nem escoa bem da tua boca
e tu vacilas, tartamudeias,
e entre outras coisas,
constrangido, isola-te?
e este teu saber escasso
que te põe à margem dos fatos
e tolhe teu entendimento
das coisas até as mais banais,
e ainda envergonha-te?
e esta tua relação com os ratos
que frequentam teu catre
enquanto doas o sangue na labuta
braçal de todo dia?
e os dentes que te faltam
e as moléstias que te sobram
e o alimento que te falta
e as ilusões que te sobram
e os afetos que te faltam
e as injúrias que te sobram
e este pouco morar,
este pouco vestir.
e este pouco amar,
este pouco dormir.
e este pouco prosperar,
este pouco ir e vir.
e este pouco divertir, divertir?
ninguém te deve nada irmão?
Out- 2019
Ascendência
daquela robusta árvore
eis o ínfimo ramo que somos
as raízes e a planta
a progênie o que tentamos
na origem à dor suplanta
arejar a névoa espessa
trazer do berço a lúcida aragem
história e nação
o ímpeto da luta e coragem
reaver o avito torrão
Fev. 2021
Descendência
mira a flor que rebenta
é fruto do fruto e semente
raiz folhagem botão
a imensa estrutura
da extensa estirpe da gente
do sêmen ao ventre
brota um ser de todo ameno
ramo da vasta linhagem
gigante mesmo pequeno
etnia e coragem
Fev. 2021
Frágil forte
o açoite da artilharia do tempo
contra as sólidas muralhas do eu
tenta o sequestro
do que existe frágil na pedra
o desterro
dos soterrados da queda
forte que desmorona em esplendor e treva
a força da pedra que dura
está naquele sopro de ternura
no âmago
da própria substância
sob a fustiga do vento no tempo
esgarçado de uma dor
o alarde da gente
oculto no silêncio dos dias
Mar- 2021
Gênese
sêmen ou susto
intuito infenso à luz
sopro indefeso
gérmen élan
ovário que ovula óvulo
presa de estigmas
alarde da vida em silêncios
o devir da flor
é quando toca a retina
-ou existe vácuo
áspero ser-
qualquer receio
tácito beijo do rocio
à pétala detida
nos nós do âmago
apenas frio
não sei de aragem
que não censure o silêncio
no seu trânsito
entre seca folhagem
nascer é ruído
na estagnação da luz em ruínas
ou sombra que paira
paz e parto
Mar- 2021
Poema para Cristina
A orquídea que você cultivou em seu apartamento
com carinho de mãe, a mesma que calada e
distante exalou segredos na manhã, que beijou
a noite com sua aparência de virgem e amou o
dia apaixonada e perdida, hoje é testemunha das
palavras ao pé do ouvido, dos ardentes beijos de loucuras
no verão, dos teus apaixonados suspiros em meus braços...
De tudo enfim o mais que somos nós.
Composto por volta de 2013, 2014.
quarta-feira, 25 de setembro de 2024
...Ela
pelas bordas da cidade atarantada
deságua e cresce favela
em avenidas de esperança e mágoas
a favela sofre a esperar que brote
no árido ar da metrópole
a sua aposta
de melhores dias
dias de bonança a seus filhos pretos
quilombo que nascido
de coletivo sonho
é refúgio e lar e gueto
a favela se expande em tentáculos
de resistência
não mero espetáculo
da elite rancorosa
que destila ódio a quem deve
muito mais que cota
e ignora escarnece e não paga
mas a favela trabalha
estuda e sobrevive no fio
da navalha
e não se entrega às sujas regras
do jogo inimigo
e segue em mar revolto ela
tal como eu versando dores sigo
Fev- 2024
quarta-feira, 18 de setembro de 2024
Pedaços da fome
Poema em homenagem à Carolina Maria de Jesus
os objetos, os filhos, as flores...
a casa talhada a lápis com palavras de dor.
filhos adotados dos teus braços pela miséria.
o prego, a madeira, a fome, o silêncio,
o trabalho e a solidão.
o ódio de deus sobre os ombros dos teus,
sobre os ombros
dos que não têm que querer,
cuja escolha é não ter escolha.
nada conterá a força das tuas palavras
ainda que as águas das chuvas tenham contido
teu corpo franzino, anônima de papel,
estrela sem hora
nas ruas avessas da cidade.
cidade hostil, afeto de pedra, flores sobre a sepultura.
nuvens de África, ares de África, sois de África.
sopa de vento, poeira de terra no prato,
está no pasto este gado,
ou nos finos pratos de louça fina.
qual a cor da fome, Carolina?
dos pedaços da fome?
despejada de cada quarto, de todo canto,
preterida da vida.
zela da veste granfina,
desdobra-se a cuidar deste chão,
e sonha, Carolina!
escreve e sonha, Carolina!
Maio- 2020
500...
a úlcera do ser estagnado
destila o cianureto meias verdades
destila o cianureto meias verdades
a sociedade doente
as academias mutiladas
o cânone envesgado dos costumes
o ópio-ódio burguês
excrementos
de míopes cogitações
petrificados pitacos letra-morta:
88 aboliu os poderosos da culpa
eis a excrecência
(o poder de eximir
à régia canetada histórica)
à goela empobrecida
a baba espessa do cão sem raça
a gente engolindo miséria
vivendo de sonhos extintos
vinho tinto
de sangue vomitado à nossa boca
e mais injúrias e hospício
e o vício por alimento
o ensino ensina chacina
despótica gramática das ruas
complexa pedagogia dos excluídos
e o rebanho
de negras ovelhas -destino e pele-
amarga a sintaxe suburbana
engrenagens de aço
e vestígios de munição
a violência escandalosamente
armada de carência-criança
nas feiras encarceradas
das periferias
bandejas de desdém
dúzias de fatalidade
pencas de mágoa no olhar
o desenlatado extrato antissocial
brasileiro marinado em caos
no topo etc e tal, no meio isto e aquilo
na base, versada em revés
nem isso, e jazem os ratos classe E
esfomeados nas sarjetas
à margem
destes regalos
os indigentes à margem
agressões nos subterrâneos
cotidianos do lar
amor por argumento
a negra pele roxa de ternura
não há primavera pra criança órfã de amor
esmolando gorjeta
pra sua fome de afeto
as balas que nada têm de perdidas
e encontram a infância
perdida
grande contingente negro
implicado em "masmorras medievais"
nem uma réstia de liberdade
a sociedade pelo racismo
combalida definha
Zumbi expira no quilombo do peito
vencido pela impotência
o protesto burguês
bate panela vazia com a mesa farta
no conforto dos apartamentos
o protesto proletário
almoça poeira de obra
a miséria sem miséria das marmitas
faxina por negras mãos
de fadas sem conto
ventre colado às costas
o mármore das mansões de pedra
seus deveres cívicos
resguardados pela constituição
seus direitos
engavetados no parlamento
parlamento branco e burguês
como todos os poderes
e poderosos
da nossa república esgarçada
em egoísmo.
Fev. 2021
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